27.7.04

O amor começa aos 80

Eu adoro casais de velhinhos. Não consigo olhar um sem dar uma risadinha. Sim, porque para casais de velhinhos, se dá risadinhas. É tudo no diminutivo. Estava pensando nisso hoje quando encontrei meus vizinhos do apartamento 22. Vamos chamá-los de Seu Eustáquio e dona Maria, por falha minha de não saber seus nomes reais.

Hoje de manha, Seu Eustáquio e Dona Maria estavam no elevador quando eu entrei. Ela estava ajeitando a gola do marido, que falou  pra mim, fazendo piadinha: “Tem que ajeitar o bebezinho”. E eu dei uma risadinha.

Velhinhos são engraçados, de uma boa maneira. Tanto que eu não consigo chamá-los de idosos, é tão formal! E casais de velhinhos são ao mesmo tempo fofos e hilários.

Meus avós moraram um ano na minha casa. Seu Raimundo e dona Filhinha (apelido da Dona Pautila) sempre foram o casal mais sui generis que já conheci. Meu avô foi muito apaixonado pela minha avó, com direito a crises de ciúmes e tudo mais. Os dois já beiravam os 90 anos, mas ainda assim ele não admitia a possibilidade de dormir em uma cama separada da sua querida.

Seu Raimundo era um grande dramático. Ele fazia atuações complexas, gritava e discursava sobre algo que o indignava. Enquanto isso a minha avó virava para ele e falava: “Cala a boca, velho chato”. E dali a cinco minutos, eles estavam sentados no sofá, vendo televisão de mãos dadas.

Eles tinham vários momentos de cumplicidade que eram invejáveis. Como o dia em que eu cochilei no sofá da sala, e meu vô fez cócegas com a chave no meu pé só para me acordar. Os dois se divertiram muito com a minha cara de sono.

Quando a minha avó tinha as suas crises de início da falta de lucidez, o meu avô ficava extremamente chateado. Ela queria de qualquer modo ir para a casa da mãe dela. Ele brigava com ela, numa tentativa de fazer ela parar com a doença que tanto o magoava. No auge da discussão, dona Filhinha dava o argumento final:
-         Você vai comigo, porque você é meu marido e eu te amo!
E o coração do velho derretia na hora.

Olhando os dois, eu sempre pensava: o amor começa aos 80. É uma época em que não há grandes preocupações na sua vida. Enquanto somos mais jovens, qualquer problema pode aumentar desproporcionalmente. Na terceira idade, o efeito é reverso: todas as preocupações se reduzem. Por isso, o amor da velhice é o mais meigo em sua essência. O mundo externo deixa de incomodar e interferir na vida. Sobra o que é mais doce: companheirismo, cumplicidade, carinho e paixão – sim, velhinhos são apaixonados. Depois de tantos anos, eles percebem o que realmente importa. Que foi o que Dona Maria me disse hoje, ao sair do elevador: “A gente tem que cuidar um do outro”.

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