Memoria in aeterna
O espaço que temos em nosso cérebro que é destinado à memória deve ser bem grande e, contudo, creio que não usemos a maior parte dele. Considerando ainda que temos uma memória seletiva, quando fazemos aquela releitura de nossos momentos – bons e ruins – temos a tendência a considerar os supostamente relevantes. Não entrarei nem na questão de que somos o que vivemos e obviamente temos muitas memórias das quais não nos lembramos sempre mas que foram essenciais para o desenvolvimento do nosso caráter (palavra forte essa).
Sei que constantemente lembro-me de coisas que me parecem muito sem importância, que nada têm a me acrescentar e que não vejo razão por lembra-me delas. Muitas vezes relacionadas com cheiro (memória olfativa é uma das minhas mais fortes), com a situação, com sentimento...Ultimamente ando tendo lembranças fortíssimas de acordo com o passar das horas.
Qualquer uma dessas tardes em que não se está fazendo nada, bem no meio da semana (muito raro pra muita gente hoje em dia) ouço aqueles barulhos de construção, madeira sendo cortada, tijolo sendo quebrado, pessoas gritando e me lembro exatamente de quando era bem pequena e que ficava em casa ouvindo tudo o que acontecia ao meu redor. O cachorro da vizinha, a minha cachorra, a louça sendo lavada e a construção que parecia nunca terminar. As 16 horas, pra mim, são a construção.
Quando se aproxima das 18h, e sei que já está escuro, mas não completamente, mesmo estando sozinha, consigo sentir cheiro de comida. E não qualquer comida. Aquela que meu pai fazia e que ainda faz, mas não mais nesse horário. Creio que para muita gente esse horário é de janta também, mas dadas todas as mudanças que aconteceram desde os idos de 1987, jantar às 18h passou de coisa corriqueira para acontecimento impossível. Por isso que as 18h, com cheiro de feijão e alho no arroz, ainda são da infância.
Como passei a maior parte de todas as manhãs da minha vida dormindo, com exceção de quando ia para a escola (e essas memórias residem em outro compartimento do meu cérebro) não tenho aquela hora-memória bem esculpida. Mas posso garantir que não há nada mais confortante que o cheiro de café se espalhando pela casa, por todos os cômodos, me dizendo olfativamente que meu pai tinha acordado, preparado meu lanche e do meu irmão e deixado um bilhete (que ainda deixa) para minha mãe, ao seu lado, na cama.
E ultimamente me parece que todo momento que passa e que me lembro desses pedacinhos de memória perdidos, mais memórias vão sendo guardadas. Creio que somente para que eu lembre delas mais tarde, tendo toda a certeza do mundo que aquele momento besta, na realidade, era o que me deixava feliz. E talvez esses momentos agora, que não me dizem nada, serão guardados naquele compartimento que eu sou vou abrir quando precisar. Ou quando menos esperar. E dar tanto valor a ponto de escrever sobre eles.
“I remember one morning...getting up at dawn, there was such a sense of possibility. You know? That feeling?And I remember thinking to myself: So, this is the beginning of happiness. This is where it starts. And, of course, there will always be more. It never occurred to me it wasn’t the beginning, it was happiness. It was the moment...right then." in Mrs.Dalloway
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