A mudança
Crep-Crep. Crep-Crep. Assim fazia a fita que selava a caixa. “Será que é por isso que se chama fita crepe?” Crep-Crep. Crep-Crep.
Era a última. Na sala estavam jogadas suas malas e sacolas, sua vida naquele ano. Que agora caberia no seu carrinho. Um carro pequeno, “teria sido a vida também pequena?”
Ela gostava de mudar daquele apartamento. Era pequeno, sem armários, com um carpete estranho. Queria algo maior, ao menos mais arrumado. Espaço, precisava de espaço.
Ela queria mudar a sua vida. Estava cansada, exausta. Precisava dormir, ler, tinha uma necessidade súbita de poder ficar duas horas parada e isso não ser um problema. Queria tempo para desperdiçar, espaço para se espreguiçar.
Olhou para as malas. “Será que vão caber?” Tinha sido feliz lá. Gostava do seu quarto, sentiria saudades. Sempre tinha gente a mais em casa, sempre no seu quarto, mesmo quando ela não estava lá. Encantava-lhe essa impressão do aconchegante. Lá era mesmo gostoso, as camas confortáveis, acolhiam. Era um quarto de dormir bem.
Olhou pela janela. Era noite, estava sozinha. Não se sentira muito só naquela cidade. Às vezes sim. Sempre fora assim, em qualquer lugar. Este lhe dava todas as opções que queria, até as que nunca havia utilizado. “Tem tanto mundo nesse mundo.” Iria agora ver, sair da bolha.
Mas nesse dia se sentiu sozinha. No meio da sua mudança, encontrou-se um híbrido entre o que fora e o que seria. Nesse momento não era, só estava, esperava, mudava. “Não se é senão a transição.” Sozinha, sem alguém que fosse de quando ela era – porque não haveria como se ter alguém que fosse de quando ela será.
Parou, olhou. Resolveu carregar tudo. De manhã nunca havia motivação. “Havia alguma agora?” Às vezes o gelado se sobrepunha ao quente. Queria nada. Parar e não olhar. Ficar no meio termo. “Para que tanta caixa, tanta mala?” Tanta coisa, vida empacotada, um ano cabe só nisso. Podia ficar sempre com a vida assim, dentro da mala. “Para que tirar, dá um trabalho...” Estar como mala, parada, pesada, lenta. Tudo mais devagar...
Olhou de novo, levantou. Começou a levar as coisas para o carro. Resolvera mudar.
Às vezes, o quente se sobrepunha ao gelado.
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