2.10.04

A desconstrução do mundo

Acho que sou a pessoa que mais espera o reveillón 2005, ou pelo menos o mês de dezembro. Esse será um final de ano com muitas finalizações, com o perdão da redundância. Espero descontruir a minha versão de mundo atual até dezembro e então, como um bom clichê, começar o ano novo com o pé direito. (Ou pelo menos a mala na mão direita. Ou o novo contrato de emprego. Ou até os dois – quem sabe?)

Quando se planeja mudar as coisas, a sua visão de mundo fica completamente diferente. Embora seja mais fácil encontrar uma motivação mínima para se continuar vivendo num mundo que se desconstrói – falta pouco agora – em alguns momentos você se torna o beduíno se arrastando no deserto, prestes a desistir da água. Não dá para agüentar mais um segundo disso, por que as coisas não mudam logo? São momentos em que você precisa encontrar a sua reserva escondida de automotivação. Porque parece que já acabou, mas não. Ainda não.

Por outro lado, o velho mundo se torna mais leve. As coisas não te comovem mais como antigamente. Quando as pessoas discutem possibilidades e melhorias, isso não faz nem cosquinha em você. Quem se importa? Eu não. Suas expectativas são levadas a um nível muito baixo. Na verdade, você só espera sair logo. Então um grande evento que faz as pessoas se reunirem e imaginarem coisas será para você, no máximo, uma festa de despedida.

Se a falta de expectativas te faz comemorar menos as coisas do mundo velho, ela faz também com que você deixe de cobrá-lo. Quando esse mundo era seu, você poderia batalhar por algo novo, uma situação melhor, com toda a sua garra – e ficar genuinamente indignado se essa luta fosse em vão. Agora, todo esforço necessário é o mínimo. Você fica bem mais feliz: quem não cria expectativas, não se frustra. As coisas não vão melhorar agora? Tudo bem, isso não muda muito a minha vida. Me deixe quieta aqui que eu estou na boa. Parece que esse mundo agora funciona melhor – se tudo ficar como está, não tem problema. É fantástico, você fica verdadeiramente mais satisfeito com a mesma coisa que tinha antes.

E quando se tem algo realmente chato para fazer, aquilo que sempre te incomodou do fundo da sua alma, você pára a sua raiva em um segundo com o pensamento “é a última vez que eu vou fazer isso (pelo menos aqui)”. As tarefas mais chatas parecem brincadeira, e você passa a prestar atenção até nas coisas que menos gosta de realizar – com esse novo olhar, você percebe que é importante reparar os detalhes. Afinal, você não sabe se vai utilizar algo aprendido enquanto faz aquele trabalhinho mala. Você olha as pessoas dessa maneira também. Identifica sentimentos novos em você. Pensa nos mais diferentes aspectos. No geral, as coisas passam a fazer um novo sentido.

A grande soma desses sentimentos novos é um tanto inusitada: a saudade. Você quer desconstruir o seu mundo e mudar as coisas, e não se arrepende disso. Mas, de repente, você passa a perceber que, assim como esse mundo velho foi seu, você também foi parte dele. Houve bons momentos, apesar dos pesares. Você vai sentir falta de suas peculiaridades. No final, a desconstrução do seu mundo te leva a analisar as coisas de diferentes ângulos – quem vê as coisas de fora tem uma visão mais ampla. Mesmo querendo ir embora, é feita justiça: você faz uma merecida reverência em agradecimento a algo que contribuiu para que você se tornasse a pessoa que é hoje.




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