Eu e ele
Nem me lembro quando nos conhecemos. Eu era nova, não prestava muita atenção das coisas. Mas, pensando hoje, sei de que algum modo ele sempre estava lá. Volta e meia seus “causos” entravam na minha vida, e eu começava a conhecê-lo um pouco melhor.
Fernando me encantou desde sempre. A leitora ávida que fui na infância sempre se alegrava quando encontrava seus textos nos livros didáticos de português da mãe. Já o conhecia, o escutava. Quando descobri o volume de “Para gostar de ler” aqui em casa, meu favoritismo se declarou: suas crônicas eram as melhores, sempre. Ele me fez ler esse livro incontáveis vezes, e com isso atingiu o seu objetivo: sim, eu gostava de ler. Quando era algo escrito por ele, eu amava ler.
Aos 14 anos, na aula de português, tive o primeiro grande impacto com sua obra: tínhamos que ler “O Grande Mentecapto”. Só consegui fazer isso uma vez: as desventuras de Viramundo me marcaram tanto, que no final do livro eu só conseguia chorar. Fiquei tão triste pelo meu querido mentecapto que tomei uma decisão drástica: nunca mais poderia ler esse livro – eu sofreria demais.
Fernando continuou participando ao poucos da minha vida. Como um bom mineiro, ele ia se apresentando ao poucos, como quem não quer nada. Li alguns livros que encontrei aqui em casa, mas eu estava mais alheia a sua presença. Quando tinha acabado de ler o Mentecapto e ainda estava embasbacada, o pai de uma amiga me recomendou ler “O Encontro Marcado”. Fiquei com isso na cabeça, mas as coisas caíram no esquecimento e o tempo foi passando.
Até que chegou em mim a notícia: Fernando Sabino morreu, diziam os jornais. Fiquei desconsolada. Como assim? Ele não podia ter morrido, eu havia lido tão pouco, eu nunca havia conversado com ele, escrito uma carta, e agora não tinha mais Fernando... Numa tentativa de me redimir por ter sido tão relapsa, comprei “O Encontro Marcado” no dia de seu aniversário (e de seu funeral).
Em um dos momentos mais atribulados da minha vida, em que a realidade não se cansava de esmurrar a minha cara, Fernando ganhou seu merecido espaço. Entendi que eu não poderia ter lido esse livro em qualquer outro momento: Eduardo Marciano era eu agora, perdida e confusa, na minha procura por sentidos eu encontrara Fernando com as perguntas da sua alma irrequieta, tantas perguntas, meu Deus, tanta coisa. Senti saudades do homem que eu gostaria de ter conhecido. Queria ter lhe pago um uísque.
Agora continuo buscando Fernando. Releio algumas coisas, e estou procurando por todo canto meu exemplar de “Para Gostar de Ler Volume 4 – Crônicas”. Penso em qual será o próximo livro, certamente algo mais autobiográfico. Quero conhecer do jeito que posso esse homem que era inteligente, divertido, observador da alma humana. Fernando Sabino foi um escritor como poucos, e sei que nunca deixará de me encantar. A ele, que nesse momento está num bar discutindo com os outros mineiros do Apocalipse, um brinde.
E corajosamente, declaro: um dia, irei ler O Grande Mentecapto novamente.
<< Home