9.3.06

Despir-se

Resolvi deixar o cd que estava ouvindo no computador tocar e não olhar mais para sua tela. Me espreguicei no sofá e tentei abrir a revista que havia comprado antes de ir para o trabalho. O plástico estava extremamente difícil de ser aberto, como aquelas embalagens de balas japonesas e, mais que rapidamente, porque não tenho paciência para lidar com embalagens que tiram todo o prazer de rasgar, peguei uma caneta e fiz um pequeno buraco. Ainda foi difícil, mas consegui ler a revista.

Eu poderia continuar a falar de como as matérias me deixaram a refletir mas por mais que seja fã da revista, não foi exatamente ela em si que me deixou a refletir e sim o plástico.
Parecia que fazia anos que eu não abria uma embalagem com vontade. Não uma embalagem qualquer porque meu peso na balança indica que várias de bolachas e iogurte obtiveram sucesso na abertura e consumo, mas sim desembrulhar algo que você quer ver, sentir, olhar, fitar. Não penso em presentes pois estes são sempre bem vindos somente por serem frutos de uma lembrança de alguém em você. Penso em como é bom tirar o invólucro, rasgar o papel, furar o plástico que resiste em ceder e encontrar algo que se quer tanto.

O que está por debaixo da embalagem, dentro dela foi cuidadosamente embrulhado para que fosse aberto. Nada é coberto se não fosse para ser aberto. É uma meta, um objetivo que aquilo tem em si. Nada mais claro, mais óbvio e nítido que sair da casca e ser desfrutado. Questão se faz quando ou não se tem a vontade de ver o que há por debaixo da embalagem ou a decepção em encontrar o que se vê.

Eu já acho tão genial não saber o que se encontrar mas a vontade de descobrir superar tudo isso. O presente surpresa, a nota da prova, a reunião com o chefe, a conversa com o namorado. Qual a graça em fechar a caixa sem não ter tirado seu conteúdo pra fora? E por que deixar de abrir a embalagem correndo, rasgando tudo, como se não houvesse mais nada em volta só pra ver o que tem dentro? Eu somente guardo na minha coleção tudo aquilo que foi despido. A gente sempre pode embrulhar de novo mas a vontade de abri-lo de novo não será a mesma. Despir-me de todo o papel brilhante, os laços, o plástico resistente, isso sim é bom.

|

4.3.06

Microcosmos

Ando pensando muito em microcosmos esses tempos.

Microcosmos, na minha visão inicial, são aquelas situações paralelas à sua rotina em que você convive com pessoas com as quais normalmente não estaria tão próxima, e por causa desse momento acabam criando um vínculo especial. Essa ligação surge exatamente do fato de vocês estarem compartilhando algo que é atípico.

Esse conceito me veio à cabeça quando estava comendo pão de queijo em Blumenau com um alemão e um brasileiro, nenhum dos dois os quais eu conheceria se não fosse pelo meu emprego. E por causa disso, acabamos passando dois dias inteiros juntos, com direitos a piadas internas – sexta feira à noite em Conchas! – e digressões sobre vida, relacionamentos e a indústria têxtil.

Depois disso constatei que cada relacionamento que temos, com qualquer pessoa, próxima ou distante, pertencente ou não à nossa rotina, cria um microcosmo. Uma frase trocada, uma conversa descontraída, uma caminhada que seja, já estamos compartilhando um momento, e temos algo exclusivo com essa pessoa. O nosso próprio microcosmo.

Acho às vezes que é por isso que pensamos que um amigo é melhor para se conversar de música, enquanto outro é excelente para divagar sobre relacionamentos. Que no final de uma viagem queremos manter contato com as pessoas que conhecemos, ainda que seja difícil de se manter. São vínculos que existem e nos fazem bem.

As pessoas vêm e vão, mas esses pedaços de vida permanecem, e formam o seu mundo. Somos um coletivo de microcosmos únicos divididos com as pessoas com que interagimos, formados por tudo que compartilhamos.

“Você se torna eternamente responsável por aquele que cativa”, disse Saint-Exupery. Ele sabia que essa responsabilidade se reflete em nós mesmos.

Se não cuidamos dos pedaços que deixamos com os outros, estamos descuidando da nossa própria vida.

|
Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com