24.9.04

Insônia

As pessoas não precisam de muito para se sentir bem. Eu sei que eu não preciso de muito. O meu mínimo necessário é comer bem de manhã, fazer algum tipo de exercício, umas duas horas de não fazer nada desgastante e ao menos nove horas de sono tranqüilo. Eu posso ficar sem comer de manhã, ou sem ir na academia e até mesmo sem minhas duas horas de lazer, mas se eu ficar sem dormir me torno escrava da má disposição.

Assim como hoje: estou acordada há várias horas sendo que algumas delas passei rolando na cama assistindo o dia amanhecer, os passarinhos cantar, a visão ficando nítida no quarto mais claro...e eu esquentando travesseiro. Decido então que meu dia vai ser agora, uma nova visão de mundo essa de manhã, coisa que não tinha desde o colegial. Abro a Folha Equilíbrio (é de ontem mesmo, não tinha lido) e vejo que não dormir engorda. Achei genial. Não basta o meu humor estar péssimo agora sei que vou ficar mais redondinha. Não mais que rápido tomei meu café da manhã, afinal, ao menos essa parte da minha lista de se sentir bem eu iria cumprir.

Mas mesmo assim, não dormir acaba com qualquer um. Eu fico dependente do meu sono e nada, mas nada, faz com que eu me sinta bem. Sempre fui muito fã do ato de dormir, acho essencial e fundamental como sexo e comida e sem minha cama eu não vivo. Não é ser preguiçosa, é ser saudável.

Então, assim como outras necessidades não cumpridas, fico em defasagem o resto do dia, me alimentando de qualquer força que tenha sobrado. É o horror ficar dependente o dia todo desse descanso. Então, depois de passar a noite toda vendo tv, ou na internet ou lendo, passo a manhã e o resto do dia em unidades de tempo tentando ser completadas de forma 100%. Naturalmente que não são.

Como diria Nick Hornby em “Um grande garoto”, meus dias divididos em unidades de tempo ficam demasiadamente compridos sem meu soninho. Embora eu adore as manhãs, não sou fã delas quando as vejo com os olhos vermelhos e as costas doendo, contemplando a cama que não me quer.

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21.9.04

A menina que queria entender o mundo

Nina era uma menina curiosa. Desde pequena, sua maior fascinação eram as estrelas do céu. Toda noite, sentada na cama, começava a contá-las. Queria saber quantas havia, pois não. Mas, criança que era, acabava adormecendo por volta do 317. Ela não desistia – uma vez, ficou acordada até o 423! Sentiu-se mais perto da resposta.

Inevitavelmente, Nina foi crescendo e mudando. Um dia, simplesmente admitiu que o número de estrelas era algo próximo de 424, e parou de contá-las. Precisava ir dormir mais cedo, para não ficar com a cara cansada na aula. Do contrário, não iria chamar a atenção dos meninos, ora bolas.

Contudo, os interesses não se alteraram tanto. É que Nina começara a estudar astronomia. Ao invés de contar estrelas com seu dedo indicador, ela fazia cálculos e estimativas. Era fantástico: ela finalmente encontrou razões e respostas para todas as dúvidas que um dia surgiram na sua cabeça, quando dormia na cama com lençol de luas minguantes. Ela admirava a exatidão que podia existir no céu que tanto a atraía.

E não é que Nina, agora jovem, se apaixonou? Ela havia encontrado um rapaz que a encantava, e em quem podia pensar quando olhava para o céu estrelado. Finalmente, todas aquelas contas faziam sentido! Nina flutuava...O que seria necessário para que eles passeassem na lua?

Porém, num dia não tão belo, o tal mancebo deixou de ser tão encantador e magoou o coração da garota. Pobre Nina... Andava tão triste. Ela não entendia. Por que aquilo havia acontecido? O que havia de errado? Como ela podia corrigir aquilo? Qual era a fórmula que ela desconhecia?

Nossa heroína, um tanto confusa, saiu pelo mundo perguntando. Começou no elevador de seu prédio, ao ascensorista.
- Qual é a equação que resolve o mundo?
O coitado coçou a cabeça, e Nina resolveu não esperar pela resposta.

Ela foi perambulando o mundo, a procura de especialistas: físicos, matemáticos, diretores de negócios, médicos; enfim, conhecedores de toda espécie de assunto. Nina ouviu inúmeras teorias, mas nenhuma a convencera. Ela não queria uma discussão, ela queria uma equação. Uma resposta prática, rápida, com uma explicação lógica padronizada. Algo que pudesse aplicar em qualquer problema que surgisse. Uma solução.

Não havia uma equação! E agora, o que fazer? Nina seguiu, cabisbaixa, de volta à sua casa. Só queria saber do seu lençol de luas minguantes e da sua cama perto das estrelas. Lá chegando, encontrou uma flor com um cartão. Sorrindo, descobriu: a resposta não é padrão. Está em cada problema, em cada pessoa. O mundo não tem equação. Ele é feito de muitas variáveis, e o resultado está sempre dentro do problema. Será que existe questão maior do que nós mesmos? Achou ela que não.

Nina jogou fora a flor, amassou o cartão, e foi contar estrelas. Quem sabe lá, acharia um outro sonho.

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15.9.04

Em busca de um amor tranqüilo

Há algo de turbulento no ar. Nessa semana – ironicamente, tão próxima da primavera que chega nos corações – dois relacionamentos que eu considerava bem duradouros chegaram a um fim. Ainda não sei se a situação é definitiva ou temporária, mas acho que nem as partes envolvidas sabem. Ao mesmo tempo, uma amiga que estava começando um possível-romance promissor me conta que o que antes parecia leve já está querendo complicar. Isso sem falar nos homens loucos que assombram a minha vida e a de colegas bem próximas.

Comecei a pensar em como essa peregrinação em busca de um amor tranqüilo requer esforço e paciência tremendos da nossa parte. Como, às vezes, estamos perto de chegar lá, tocar o sininho, gritar “Achei!”, acabar com esse esconde-esconde da busca pela chamada alma-gêmea (para quem acreditar). Mas só achamos complicação; pode vir de diversos jeitos: ciúmes, posse, traição, incompatibilidade de gênios, de sentimentos, de plano.

Um relacionamento dá trabalho. Para fazê-lo funcionar, se deve investir. Precisam de tempo, dedicação, confiança, lealdade, concessões e construções. E daquela coisa indefinível, um encantamento, que faz com que o amor não tenha fórmulas.

Acho que o que falta hoje em dia é um pouco de boa vontade. Vivemos num mundo tão descartável que as pessoas não estão dispostas a abrir mão de nada em suas vidas em função do outro: pra quê, se é tão fácil fazer a fila andar? Os valores estão banalizados, e quem se preocupa em ultrapassar a aparência e encontrar a essência? Talvez as pessoas tenham medo de reconhecer a própria essência. Às vezes parece que há um medo coletivo de se abandonar a imagem cool de autonomia. Somos uma ilha de produtos recicláveis, admitir a necessidade de uma companhia, a mudança na vida em função disso, nos faz animais racionais, credo. Será que eu não vou mais o garanhão, a pegadora?

É engraçado que isso acontece em uma época em que o pré-estabelecido vem se quebrando. Casamento, aliança, morar junto, fidelidade, são fatores flexíveis – cada relacionamento tem a sua história e o seu ritmo, as pessoas fazem as regras da sua felicidade. Se cada um de nós tiver que desenhar uma casa, os desenhos saíram completamente diferentes. Cada um vê o mundo do seu jeito e tem a sua noção de valores.

Amor é sintonia. É você dar a sua mão a alguém especial, para juntos construírem sua felicidade, lado a lado. E a casa de vocês vai ser diferente de todas as outras. Assim como vocês são diferentes, dos outros e de vocês mesmos. Ainda bem.

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10.9.04

Honrando as cuecas

Toda vez que vejo uma mulher falar de homem ou ela está se referindo a como ele foi um cachorro filho da puta ou como está apaixonada por ele. Dificilmente vejo um ser do meu gênero se referir aos homens como pessoas normais que agem de acordo com seus ideais e crenças. Odeio qualquer tipo de sexismo, logo, todo machismo e feminismo com o qual me deparo resolvo ignorar. Mas fico pensando se, em algum momento, os homens não tomam atitude conscientemente de forma a se enquadrar somente no homem dos sonhos ou no canalha.

Eu adoro os homens, em todos os seus aspectos. Até mesmo em como eles conseguem estragar tudo. Tudo. Parece que possuem uma síndrome de honrar suas cuecas, de colocar o cartão HOMEM em todo jogo e fazer tudo desandar. E não digo isso somente no fator de relacionamento, não. Amizade com seres do sexo masculino requer uma base forte de entendimento desse mundo quase obscuro para nós, mulheres. Eu acho genial, no entanto, toda essa diferença.

É engraçado ver, depois dessa onda metrossexual, como os homens que foram adeptos do frisson já não mais agüentam ver potinhos de gel, mousse, argila, geléia e todos as variações de produtos para deixar o cabelo com um visual bagunçado-acabei-de-levantar-da-cama. Ou como já perderam todo o tino fashion para roupas. Acabam por voltar a ser quem eram, mesmo um pouco mais vaidosos, mas ainda mantendo o gene arrota-peida-toma-cerveja-na-frente-da-tv. Afinal, para que isso tudo se as mulheres gostam mesmo do homem in natura? E vai de novo honrando as cuecas.

Essa aproximação da mulher, no quesito vaidade, acabou por deixar o homem quase que em um estado de competição: quem se arruma mais, quem se ajeita mais. Aquela diferença saudável foi diminuindo e sei que não agradou a nenhuma das colegas XX.

Adoro celebrar as diferenças e creio que, mesmo olhando para aquele ser que nunca sabe responder a uma pergunta direta, que coleciona atos de descomprometimento, que não percebe o quão errado está, que não quer ser ajudado, ainda gosto de poder olhar o que me é diferente. E de lidar com isso. E de conviver deliciosamente com isso. E de celebrar o fato de que homem é sexo e é amigo e é aquele cara que honra as suas cuecas, mesmo de vez em quando achando que a calcinha serve somente para colecionar.

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6.9.04

Sucesso na cabeça

Quando eu era pequena, acredito que no inconsciente coletivo das crianças da minha época – ou pelo menos no dos meus amiguinhos – a definição de sucesso era ser presidente. Que fique claro que isso não estava necessariamente relacionado com felicidade: legal mesmo era ser astronauta. Mas, na nossa visão, se fizéssemos a tarefa de casa direitinho e obedecemos aos nossos pais, a gente podia até ser presidente! E isso ia ser o ápice do sucesso.

Hoje fui no cinema e, ao ver a cara de bobo do George W. Bush, lembrei-me dessa percepção que eu tinha. Confesso que a primeira coisa que pensei foi: “Olha só: ele é um idiota, mas o cara tanto fez (lobbies e negócios incluídos) que chegou lá, virou presidente”. Depois me questionei: será que era mesmo grande coisa ele ser o presidente dos Estados Unidos? Afinal de contas, ele é o George W. Bush, e isso para mim nunca será sucesso.

Depois que eu virei gente grande, demorei um tempo para perceber que sucesso é uma definição extremamente individual. O que nos torna bem sucedidos é atingirmos metas que nós mesmos traçamos, em função dos valores que buscamos em nossa vida. Para alguns, sucesso é ter uma casa para a família e colocar comida na mesa todo dia. Para outros, infelizmente, é conseguir comida para o dia. Definições existem aos montes.

Há aqueles que querem ser gerentes, diretores, presidentes de uma empresa. Há quem quer ajudar as pessoas em outros países, ou então no próprio país. Temos pessoas que querem trazer arte e cultura para outros, e outras que querem criar beleza, moda, charme. Há mães e pais que querem criar os filhos da melhor forma possível. Há quem busque um diploma importante, uma pesquisa relevante ou um bom casamento. Há quem queira levar uma vida simples e honesta. Temos aqueles que querem fazer um documentário, e pessoas cuja meta é instigar pensamentos. E, claro, existe também o Pica Pau, cuja definição de sucesso é complexa: dinheiro, mulheres, carros, mulheres, casas, mulheres...

As diversas formas de sucesso – fanatismos a parte – são, a seu modo, louváveis: no final das contas, o que queremos é fazer alguma diferença. Para o mundo ou para nós mesmos, nós buscamos trilhar o nosso caminho do melhor modo porque ele é único. E quanto melhor formos, mais especial ele fica. Afinal, aquele é o nosso conjunto de valores, e de mais ninguém. Iremos conquistar um objetivo exclusivo.

Hoje, no cinema, o sucesso me subiu à cabeça. Conclui que não queria ser presidente de nenhum país. Vi também que ainda não sei qual é a minha definição de sucesso. Sei que quero fazer alguma diferença, quero tocar as pessoas de algum modo, mas não tenho idéia como. Existem muitas possibilidades no mundo e eu ainda estou buscando a minha. Qual será o meu diferencial? Vou trilhando o meu caminho. Essa fé que me persegue insiste em me acalmar, me faz saber que um dia eu vou enxergar as coisas mais claramente.

Agora, é muito difícil responder perguntas do tipo: “O que você se vê fazendo daqui a 5 anos?” Estarei buscando pelo meu sucesso. Seja ele qual for.

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3.9.04

Dos pequenos grandes medos

Quando eu era pequena lembro que um dos meus maiores medos era ficar perdida. Perdida em shopping, em feira, em qualquer lugar que eu não pudesse gritar meus pais. Um dia fiquei realmente perdida e como boa irmã mais velha, levei meu irmão junto comigo. Olhando hoje, a situação era ridícula, mas naquela época parecia um problema de ordem mundial: nos perdemos em Angatuba, interior de São Paulo, andando e conhecendo a cidade. Desde pequena meu senso de direção foi muito apurado então ficamos eu e meu irmão a rodar e rodar pelo quarteirão de cima da casa na qual estávamos. Uma hora andando e já achei que estava perdida. Como boa irmã mais velha que dá apoio, já gritei com meu irmão que não sabia onde estávamos. Ele, dois anos e meio mais novo que eu, foi até um posto policial e perguntou onde ficava a casa da dona fulana. Era na rua de baixo e fomos escoltados ate lá. Sim, fui motivo de piada durante muito tempo. Não é para menos, também.

Quando adolescente meu maior medo era perder os vínculos que já tinha criado. Ou seja, continuar com as minhas amigas. Foi quando perdi todas, supostamente meu porto seguro, que o medo passou. Foi quando comecei a ficar menos medrosa. O medo vinha do que eu estabelecia como prioridade, como medo maior. Foi exatamente o que me deixou mais independente.

Hoje, fico pensando sobre os meus medos que me acompanham. Eles não estão muito claros para mim, algo nebuloso, algo que eu sinto, mas não consigo descrever de forma alguma. Quando meu avô morreu, nesse ano mesmo, pensei que ia começar a ter medo de morrer ou de perder meus entes queridos. Mas não fiquei. Fiquei mais calma, não sei porque; talvez por ter realizado que as pessoas morrem mesmo, um dia ou outro.

Fiquei sabendo da fortuna que meus pais terão o dia em que se aposentarem, o que me fez refletir sobre como preciso arranjar logo um emprego para futuramente cuidar deles como cuidaram de mim. Mas isso também não me assustou pois sei que algo vou arranjar e de alguma forma as coisas se ajeitam.

Mas o que me pegou de jeito foi, mesmo depois de pensar nos possíveis medos, não saber quais são. E não estou afirmando que não tenho medo. Esse é o problema: sei que os tenho, mas não sei desenhá-los na minha cabeça e isso me amedronta. Quando estiver face a face com ele talvez não saberei como reagir. E acho que esse não saber me faz ainda mais dependente dele. Ainda creio, contudo, que os medos mais servem para que possamos derrubá-los do que cultivá-los, então, espero que venham logo, assim esses pequenos grandes medos logo se tornarão algo para rir depois. Como aquela menininha que se perdeu junto com o irmão em um quarteirão em Angatuba.

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